23 de mar. de 2012

A história dos tênis (parte 1)

Acredita-se que a primeira proteção para os pés (feita em couro de animais) surgiu à cerca de 5.000.000 de anos, durante um dos períodos glaciares, esta dedução baseia-se nas circunstâncias climatéricas dessa época que terão forçado à proteção das extremidades inferiores, os antropólogos acreditam também que não existia diferenciação entre "sapato" direito e esquerdo.

As evidências mais antigas ao calçado aparecem em pinturas rupestres localizadas em Espanha e sul de França, datadas de 10 mil a.C. Os sapatos mais antigos conhecidos datam de 8000 a.C, tratando-se de um par de sapatos de nativos Norte Americanos, onde se pode verificar diferenciação entre sapato esquerdo e direito.

Sapatos Nativos Norte Americanos 8000 a.C.
 
Segundo alguns investigadores (Spindler 1993) o Homem do neolítico (3300 a.C.) utilizava calçado constituído por uma peça em couro tratado colocado a envolver o pé da sola para o peito e amarrado com tiras igualmente em couro.

Os sapatos em couro mais antigos conhecidos foram encontrados na Armênia e são datados de cerca de 3500 a.C.
Sapato em couro 3500 a.C.

A múmia, "Ötzi o Homem do gelo", encontrada nos Alpes italianos, calçava um par de sapatos à prova de água, aparentemente feitos para caminhar na neve; a sola feita de pele de urso, a parte superior em couro de veado e uma rede feita de cascas de árvores. Como isolante térmico, na função de meias, Ötzi utilizava tufos de erva macia, que envolviam o pé.
Sapato recuperado de Múmia " Ötzi o Homem do gelo" e sua reconstituição (3300 a.C.) 

No tempo da primeira era olímpica, entre 776 a.C. e 393 ou 435 d.C, os atletas que participavam nos jogos faziam-no descalços, no entanto o império Grego/Romano era tão vasto que muitos atletas vinham participar nos jogos desde climas mais frios e faziam-no com calçado que não passava de sandálias de couro.

No inicio as sandálias eram vistas como um sinal de "provincianismo", no entanto quando alguns atletas calçados começaram a ganhar as provas, a opinião do publico alterou-se; primeiro desconfiando de batota, mais tarde quando se aperceberam que a sola em couro oferecia maior tração, todos os atletas passaram a utilizá-las.

Os Etruscos introduziram as tachas de metal na sola das sandálias, oferecendo maior tração e durabilidade.

Sapateiro Grego retratado em porcelana
Sandálias Romanas

Apesar do calçado evoluir com o passar dos tempos os atletas continuavam a utilizar calçado que pouco mais fazia que cobrir os pés.

Alguns desses tipos de calçado eram engenhosos, por exemplo na civilização Maia existia um esporte (uma mistura de futebol e basquetebol) jogado até a morte por guerreiros que utilizavam um tipo de calçado feito de palha entrelaçada.

O ressurgir da pratica desportiva no Reino Unido pelo Sec. XVIII, obrigou ao desenvolvimento de calçado leve e flexível com capacidade de tração, tendo surgido o sapato em couro com bicos/tachas para tração.

Botas para Futebol anos 1890
Sapatos de bicos anos 1900

"A indústria do calçado desportivo é uma indústria de materiais"
O primeiro sapato desportivo

Ninguém sabe ao certo quem o fez, comprou ou qual o seu aspeto.

O primeiro registo de um par de botas para a prática de futebol, aparece na lista do guarda-roupa de Henrique VIII de Inglaterra. Fabricadas pelo sapateiro pessoal de sua majestade, Cornelius Johnson em 1525 por 4 Xelins (cerca de £ 100 nos nossos dias).

Na década de 1830, no Reino Unido, são fabricados os primeiros pares de "plimsolls", sabrinas ou sapatilhas em português para ginástica pela " Liverpool Rubber Company" (que viria a ser a Dunlop).

Sabe-se que em 19 de maio de 1832 Wait Webster de Nova Iorque patenteou um processo de "aplicar solas de borracha índia em sapatos e botas" e que poderia estar a pensar na fabricação de calçado esportivo ou tipo esportivo.


Em 1839 nos Estados Unidos, Charles Goodyear patenteou a vulcanização, que consiste na aplicação de calor e pressão à borracha natural, estabilizando as suas propriedades físicas e químicas.

A companhia "The Candee Company" de New Haven, Connecticut foi o primeiro fabricante a produzir calçado com o processo de vulcanização "Goodyear".

Por isso o primeiro sapato desportivo não deveria ser muito diferente do que foi produzido em 1868 possuía sola de borracha e estrutura superior em lona com atacadores.
Desde os primeiros pares artesanais até à produção em série

A alta sociedade chamava-lhe "croquet sandal" (um tipo de esporte) e também os utilizavam para a prática de "Tennis", não é necessário dizer que estávamos perante um tipo de calçado caro, o catálogo "peck and Snyder Sporting goods" apareciam a 6 Dólares o par.

Por volta de 1873 já era chamado de "sneaker" (o equivalente ao "tênis" ou "sapatilhas" em português) e em 1897 o catálogo "sear's" apresentava os "Sneaks" a apenas 60 centavos de dólar o par, contribuindo para que fosse considerado o sapato de desporto por excelência.

Página com anúncio a sapatos para tênis 1922

No inicio da década de 1900 a Spalding produziu o primeiro calçado designado especificamente para a prática esportiva nos Estados Unidos. Os atletas utilizavam-no para a competição e era constituído por uma sola e uma estrutura superior, ambas em couro macio, com atacadores (cadarços).

Botas Converse anos 1900

Sapatos atletismo bicos anos 1920

Nos anos 1930, os sapatos de corrida eram feitos em couro ultra fino (espessura tipo papel) com uma sola em "crepe" borracha natural. Apesar de tudo eram leves (238g) e flexíveis.

Sapato para corrida anos 1930

Desde cedo, o couro se tornou o material de escolha para o calçado esportivo, pelas suas características de suporte, capacidade de respiração e ajuste, a lona torna-se igualmente um material muito popular por aliar a sua versatilidade e preço.

Sapatos para tênis; Dassler 1931

Após a II Guerra Mundial a dificuldade em conseguir materiais aguçou a astúcia, surgindo calçado multiesportivo fabricado com excedentes militares, como por exemplo o modelo fabricado dela Gebrüder Dassler Schuhfabrik, recorrendo a materiais das tendas militares para o corte e depósitos de combustível de aviões para a sola.

Sapatos multiesportos; Dassler 1946

Alguns esportes exigiam "bicos", "tachas" ou "Pitons" de metal, no entanto a maioria do calçado, qualquer que fosse o esporte, apenas era constituído por uma estrutura superior simples e uma sola, o calçado desportivo mais popular como Converse ou Keds apenas possuía uma sola rasa e uma estrutura superior em lona. As escolhas de um atleta variavam entre uma bota para basquetebol ou um sapato para tênis/ corrida.

Sapatos de treino (multiusos) em lona; Converse anos 1950
A importância das tecnologias

A recuperação econômica pós guerra permitiu a aplicação de novos materiais e tecnologias, como as primeiras botas de futebol com "pitões"/"pitons"/travas substituíveis com rosca, ou a primeira sola intermediária em espuma para amortecimento de impactos.

Botas com pitons substituíveis; Puma 1952

Sapatos corrida com sola intermediária em espuma; Tiger 1957

No final da década de 1960 o jogging tornou-se um esporte popular nos EUA. Quanto mais pessoas começavam a correr, a procura de calçado mais protetor e confortável aumentava, ao mesmo tempo outros esportes começavam cada vez a ser mais populares, houve necessidade do desenvolvimento de sapatos cada vez mais específicos. Estas mudanças forçaram ao aproveitamento e aplicação de novos materiais e tecnologias.

A New Balance introduziu os primeiros sapatos para correr fabricados em massa com diferentes larguras, numa época em que existiam poucos corredores, a sola patenteada com o design "Ripple" evitava as "canelites" segundo o fabricante.

Sapato trackstar; New Balance 1960

Sapatos de corrida Adidas; anos 1960
A força do marketing

Nos anos 70, o exercício físico continuou a ganhar popularidade, este crescente público de novos praticantes de corrida surgiram sapatos e marcas novas com materiais e tecnologias mais leves e inovadores.

Anúncio a sapatos de corrida com sola "Waffle" e corte em poliéster; Nike 1973

Primeiros sapatos com sola intermediária com 4º em varus para aumentar a estabilidade, Brooks 1977

Sapatos de corrida com tecnologia Nike Air, Nike 1979

No basquetebol por exemplo, passou-se de sapatos de sola em borracha látex com estrutura superior em lona (como os Converse - All Star), para sapatos em couro ou materiais sintéticos, com solas intermediárias em poliuretano ou EVA de compressão moldado, com tecnologias de amortecimento como Nike Air, Asics Gel ou Reebok Dmx (apenas para nomear algumas), solas específicas para Indoor ou Outdoor e estruturas de apoio como faixas de velcro, reforços em carbono etc., muito diferente do que era chamado calçado de basquetebol nos anos 1970.

Primeiro modelo desenhado especificamente para mulheres; Reebok 1982

Nos anos 80 surgiram algumas das inovações mais importantes, como a sola intermediária de dupla densidade ou as solas em varus, aumentando a estabilidade. Ao mesmo tempo que foi uma época de experimentação tecnológica, cada marca via-se obrigada a apresentar novidades, especialmente novas tecnologias e materiais.

Primeiro sapato de corrida com sola intermediária de dupla densidade para controlo de pronação; Asics Tiger 1982

Primeiros sapatos com microcomputador incorporado; Adidas 1984

É igualmente nesta época em que os patrocínios se tornam milionários, o mais falado é o caso de Michael Jordan, tendo assinado um contrato com a Nike por USD $2,5 milhões ano, foi notícia pela liga NBA de basquetebol o multar em USD $5.000 cada jogo no qual utilizou as botas Nike coloridas, não conformes com o regulamento da liga, a Nike aproveitando-se do facto pagou as multas e lançou uma campanha afirmando que as botas eram tão boas que tinham sido consideradas ilegais pela NBA.

Sapatos basquetebol coloridos Air Jordan; Nike 1985

O calçado para correr também evoluiu de uma forma dramática. No inicio dos anos 70 apenas possuíamos um tipo de forma e formato (o semicurvo), com uma construção colada com cartão em pouco ou nenhum material na sola intermediária. Hoje em dia podemos escolher entre três tipos de formatos: "Direito", "Semicurvo" ou "Curvo", vários tipos de construções, densidades de sola intermediária, tipos de sola de acordo com o terreno e mesmo características de apoio para compensar o ciclo mecânico do utilizador.

Sapatos Air Max (tecnologia visível), Nike 1987

Sapatos com câmaras insufláveis que se ajustam ao pé; Reebok 1989

Sapatos com tecnologia de ajuste sem atacadores(cadarços); Puma 1991

Sapatos com luz visível na sola ativada por movimento, LA Gear, 1992

Mesmo os sapatos de "pitões"/pitons/travas evoluíram; hoje temos sapatos com pitons moldados, removíveis para pisos macios ou duros, de acordo com as necessidades dos praticantes (sejam de futebol, basebol ou futebol americano, rugby ou outros).

Botas de futebol com tecnologia em forma de escamas para aumentar a potência e controle de bola; Adidas 1994

Ao mesmo tempo existem hoje em dia uma série de categorias de sapatos que não existiam, por exemplo; sapatos para Walking, Fitness, e Andebol, permitindo ao consumidor selecionar os sapatos de acordo com as suas necessidades específicas.

Primeiros sapatos com rodas de patins na sola; Heelys, 2000

Uma área que tenderá a evoluir cada vez mais é a área da acomodação, na medida que a geração "baby boom" envelhece (75 milhões de pessoas nasceram entre 1948 e 1964 nos EUA), vai querer sapatos cada vez mais confortáveis, forçando a indústria a procurar novas soluções, como novos materiais ou várias larguras.

A durabilidade das solas foi melhorada na década 80 do século passado e a estrutura superior é cada vez mais constituída por materiais mais leves e com mais apoio.

A sola intermediária é o componente que tem que evoluir mais, as solas intermediárias atuais são o elo mais fraco do calçado desportivo, pois são maioritariamente feitas em espumas que tendem a comprimir e perder a eficácia com o uso.

Tecnologias como o Nike Shox são tentativas de reduzir ao máximo a dependência das espumas nas solas intermediárias.

Primeiros sapatos com sola computorizada que ajusta a firmeza da sola intermediária automaticamente, Adidas 2004

Botas de futebol com tecnologia de redistribuição da massa; Adidas 2004
A volta às origens

No inicio do século assistimos a uma grande tendência; a volta às origens, impulsionada em parte pela grande crise econômica mundial de 2008 a sustentabilidade é uma das forças que guia a maioria das marcas, não só por razões ecológicas, mas igualmente por razões econômicas, ser ecológico ajuda a poupar o planeta, e em última análise a ganhar dinheiro, assim surgiram marcas cujo focus é a sustentabilidade como a End Footwear, outras marcas repensaram ou reposicionaram o seu focus com grande ênfase no calçado ecológico ou sustentável, como por exemplo a Brooks Footwear. Adicionalmente surgiram os defensores da chamada corrida natural com calçado desenvolvido para os adeptos desse tipo de corrida como as marcas Vibram Five Fingers ou a Newton Running.

Sapatos com dedos separados; Five Fingers, 2005

Sapatos com integração de sensor de velocidade e distância e medidor de frequência cardíaca; Adidas e Polar 2006

Sapatos sem espuma na sola intermediária; Nike 2006

Sapatos com sola intermediária biodegradável (esquerda standard, direita biodegradável); Brooks 2008

Uma inovação refrescante foi os sapatos modulares, calçado que se pode ajusta às necessidades individuais de cada desportista.

Sistema Modular dos sapatos, permite 648 combinações de ajuste, adequando os sapatos às necessidades individuais de cada desportista; Somnio Running 2009

Primeiro sapato com tecnologia de amortecimento baseada em fluido não Newtuniano; Brooks 2010

Tal como com a indústria eletrônica outra grande tendência foi a integração entre o calçado e outros dispositivos eletrônicos como o exemplo Fusion (Adidas e Polar) ou Nike + (Nike, Apple e Polar).

Como a indústria do calçado desportivo é uma indústria de materiais, as grandes revoluções ainda poderão estar por acontecer.

Fonte: calcadodesportivo.com

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