10 de dez. de 2011

O calote de Chávez

Burocracia, insegurança nos negócios e milhões de dólares a receber. Esse é o cenário que vem deixando inquietos empresários brasileiros que resolveram apostar no mercado da Venezuela. Prejudi­cados pela política de câmbio centralizado, praticada pelo governo venezuelano, há cinco meses as empresas de setores considerados “semiprioritários”, como confecções e calçados, vêm tendo ainda mais dificuldades para receber pelas exportações que enviaram ao país. 
 
O limite mensal para liberação de divisas por empresa caiu de US$ 350 mil para US$ 100 mil, o que deixa muitos importadores que negociam a compra de produtos brasileiros sem condições de honrar compromissos com seus fornecedores. Os únicos setores considerados prioritários para o recebimento de seus créditos são os de alimentos e medicamentos. Os demais entram na fila para receber. Algumas empresas estão com pagamentos atrasados há dois anos. Entre elas fabricantes como Picadilly, Dudalina, Alpargatas, Vulcabrás, Boticário e Pirelli, que fornecem para lojas instaladas na Venezuela, além de companhias aéreas como TAM e Gol, que vendem passagens no país. “O que vem acontecendo é um calote”, disse à DINHEIRO Alberto Pfeifer, diretor-geral do Conselho Empresarial da América Latina (Ceal).

Operação tartaruga: burocracia do presidente Hugo Chávez atrasa pagamento de produtores brasileiros

O problema é tão grave que o responsável pelo setor comercial da embaixada brasileira em Caracas faz reu­niões sistemáticas na Comissão de Administração de Divisas (Cadivi), o órgão que controla a troca de bolívares por dólares, para tentar liberar os pagamentos das exportações brasileiras e de outros países. Sem sucesso, até aqui. Segundo José Francisco Fonseca Marcondes, presidente da Federação de Câmaras de Comércio e Indústria Venezuela-Brasil, a operação tartaruga para a liberação de divisas não se restringe às exportações brasileiras, mas afeta a todos os países que vendem para a Venezuela. O controle de divisas data, na verdade, de 2004, com a criação da Cadivi. Mas a burocracia se intensificou a partir de 2007, quando o governo passou a classificar certos produtos como menos prioritários. O quadro ficou mais dramático com a redução do limite por operação neste ano.

A medida foi adotada pelo governo para evitar a fuga de dólares, que ameaçaria a economia venezuelana. “Até 2010, as dívidas se resolviam com mais facilidade por conta da forte ligação entre o ex-presidente Lula e o presidente venezuelano Hugo Chávez”, diz Fernando Portela, diretor-executivo da Câmara de Comércio e Indústria Venezuelano-Brasileira (Cavenbra), que representa grandes importadores venezuelanos e companhias brasileiras como Gerdau, Marcopolo e Petrobras. Em Brasília, no entanto, ainda não há reconhecimento oficial do problema. Fabricantes de calçados, por exemplo, já levaram suas queixas ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Segundo a entidade que representa o setor, a Abicalçados, as empresas teriam recebido uma sinalização de que o País buscaria um entendimento com o governo venezuelano.

Rui Hess, diretor da Dudalina: "Considero que o governo venezuelano está me devendo,
já que as operações são autorizadas"

A assessoria de imprensa do MDIC afirmou à DINHEIRO que o ministério desconhece problemas de associados da Abicalçados em receber dólares pendentes. O ministro-conselheiro da embaixada venezuelana no Brasil, Efren Martin, também diz desconhecer os atrasos no pagamento. Enquanto o calote branco continua, as consequências podem ser vistas nos números da balança comercial. Nos últimos anos, as exportações para a Venezuela vêm caindo – embora o país ainda continue sendo o segundo maior destino dos produtos brasileiros na América do Sul. Em 2008, o País vendeu US$ 5,1 bilhões para os venezuelanos. Nos anos seguintes, a combinação da recessão, que atingiu o país em 2009 e 2010, com a burocratização do processo de envio de divisas, derrubou as exportações. No ano passado, as vendas foram de US$ 3,8 bilhões.

Neste ano, até novembro, houve uma pequena recuperação, fechando em US$ 4,1 bilhões. A dificuldade em receber levou algumas empresas a desistir de exportar para a Venezuela. É o caso da fabricante de camisas Dudalina, de Blumenau (SC), que há três anos exportava US$ 300 mil, mas abandonou os planos de abrir dez franquias da marca depois que passou a ter dificuldade em receber. “Considero que o governo venezuelano está me devendo, já que todas as importações e exportações têm que ser rigorosamente autorizadas”, diz Rui Hess, diretor e um dos controladores da empresa catarinense. A Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) confirma que outras empresas do setor estão sofrendo com o mesmo problema.

“Tem sido frequente a queixa dos empresários brasileiros com dificuldade em receber valores exportados à Venezuela”, diz a associação em nota. Na indústria de calçados, as vendas caíram de 9,7 milhões de pares, em 2008, para 1,7 milhão de pares neste ano, até outubro. A gaúcha Picadilly, que produz calçados femininos e tem na Venezuela seu segundo maior mercado, entre os 90 países para os quais exporta, já sentiu uma queda de 20% nas vendas com as restrições de pagamento em 2011. Para o próximo ano, a situação deve ficar ainda mais complicada. “Estamos prevendo uma queda de 50% em 2012”, disse à DINHEIRO Micheline Grings Twigger, diretora de exportação da Picadilly.
 

Fonte: ISTO É dinheiro por Cristiano Zaia

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