6 de jan. de 2012

Setor de calçados tenta ganhar corpo na bolsa

A Arezzo tornou-se referência em 2011 pelo título de melhor oferta pública inicial de ações, pois foi a única das 11 do ano que saiu no teto do intervalo de preços sugeridos. Mas os holofotes que iluminaram a empresa ainda não trouxeram o mesmo brilho para o restante do setor de calçados.

Além da companhia da família Birman, existem outros grupos relevantes do segmento na bolsa, como a Alpargatas, dona da Havaianas; a Grendene, listada em 2004 e proprietária das marcas Melissa e Ipanema; e a Vulcabras, dona da Olympikus e da Azaleia - a mais antiga como empresa aberta, desde 1977.

A despeito de serem empresas de consumo - o setor que mais está na moda quando o assunto é Brasil - elas não caíram no gosto dos investidores de forma generalizada. Em 2010, as vendas de calçados movimentaram R$ 35 bilhões no país, com uma taxa composta de crescimento anual de 6% entre 2007 e 2010.

As quatro companhias possuem atuação variada no ramo de calçados. Mas não é só isso que as diferencia para o mercado de capitais. Na bolsa, as empresas poderiam ser divididas da seguinte maneira: as apostas de crescimento pelos investidores, Arezzo e Alpargatas, e as que ainda são vistas como um potencial ainda não concretizado, caso de Grendene e Vulcabras, controladas pelos gêmeos Pedro e Alexandre Grendene.

Uma palavra-chave que separa os dois grupos e que funciona como arma de sedução de aplicadores é: varejo. A Alpargatas está expandindo sua atuação com franquias de lojas das sandálias Havaianas. E a Arezzo é basicamente uma operação de comércio, já que 85% da produção é terceirizada, embora toda a criação e desenvolvimento dos produtos sejam realizados internamente.

No início de dezembro, as empresas do setor valiam juntas cerca de R$ 9 bilhões. Sozinha, contudo, a Alpargatas ainda responde por mais de 40% desse total, ou R$ 3,8 bilhões. A Arezzo, apesar de nova, vale um pouco mais de R$ 2 bilhões. As duas, portanto, somam quase dois terços da capitalização setorial.

De acordo com Alexandre Birman, vice-presidente da Arezzo, o Brasil tem enorme potencial de expansão, já que o consumo per capita de calçados é de 3,8 pares, enquanto nos Estados Unidos alcança sete.


Na Alpargatas, o varejo já responde por 11% da receita, com 180 lojas franqueadas, comparadas a 106 unidades um ano antes. No terceiro trimestre de 2011, as vendas do varejo aumentaram 125% no total e 39% na rede de lojas. No acumulado dos 9 primeiros meses de 2011, a companhia teve expansão de 16,4% na receita, para R$ 1,9 bilhão.

E se os planos de fusão e aquisições de Márcio Utsch, presidente da Alpargatas, se concretizarem, a empresa pode se aproximar ainda mais do cliente na cadeia de consumo. No fechamento desta edição, havia rumores de que o grupo estaria avaliando adquirir uma rede de moda. Vale lembrar que alguma aquisição há de passar pelo caminho da empresa, já que o plano é terminar 2014 com faturamento bruto entre R$ 5,5 bilhões e R$ 6 bilhões - praticamente o dobro do anual.

No fim de setembro, os analistas Erick Guedes e Fernando Labes, do J. Safra, elevaram a expectativa de preço-alvo para Alpargatas de R$ 17,63 para R$ 18,02, o que implica um potencial de valorização superior a 60% ante o preço em bolsa do início de dezembro. Na prática, significa dizer que o valor de mercado da empresa poderia alcançar R$ 6,5 bilhões. Entre as metas da companhia, eles destacaram o "agressivo plano de expansão de franquias".


Já na novata Arezzo, a rede de franquias passou de 253 para 275 em 12 meses encerrados em setembro de 2011, ennquanto as lojas próprias foram ampliadas de 27 para 36 unidades. O faturamento líquido alcançou R$ 479,7 milhões no acumulado de nove meses, com um aumento de 21%. As aquisições não são o foco principal, embora Birman afirme estar atento às oportunidades. "Temos um lema aqui na Arezzo: tudo que não cresce, encolhe".

As duas companhias, portanto têm modelos de crescimento baseados na expansão da renda do brasileiro e no aumento do consumo. Enquanto a Alpargatas, também representante das marcas Mizzuno e Timberland, mescla artigos esportivos com sandálias, a Arezzo possui um portfólio de três marcas que atendem principalmente a classe B - uma com seu próprio nome, Schultz e Ana Capri. Birman lembra que cerca de 70% do consumo da empresa vem desse filão. "Esse público já comprou casa, carro e eletrônicos que deseja. Assim, a tendência é que uma parcela cada vez maior dos gastos seja dedicada à satisfação pessoal".

Ao comentar os resultados da Arezzo no terceiro trimestre de 2011, o analista Robert Ford, do Bank of America Merrill Lynch, destacou que mantinha a indicação de compra para as ações justamente porque a demanda pelos produtos da empresa é "aspiracional" e tende a se manter bem mesmo em um cenário de desaceleração econômica. Além disso, destacou o modelo de negócios da companhia, que é mais flexível para acompanhar as ondas da demanda.

A Arezzo só produz 15% do que vende. O restante é terceirizado e acompanhado de perto. "Fornecemos prontas todas as soluções para a produção, além de matéria-prima", explica Birman, Por conta disso, o cenário em 2011 foi benéfico. O mercado interno está mais competitivo, o que permitiu à companhia conseguir preços de produção mais atrativos. Para o analista David Belaunde, do Barclays Capital, o grupo está posicionado para ser um consolidador no setor.

Ambas, Alpargatas e Arezzo, apresentaram expansão de dois dígitos no balanço do terceiro trimestre de 2011, um ano que não foi um dos mais fáceis para o setor brasileiro. Com exportações em queda e importações em alta, com o dólar favorável para a entrada de produtos estrangeiros, a indústria nacional está passando por desafios.


Essa é a conjuntura que atrapalhou a Grendene. A receita líquida da companhia nos nove primeiros meses de 2011 encolheu 12,6%, somando R$ 975,7 milhões. A despeito dos desafios, o diretor financeiro e de relações com investidores, Francisco Schmitt, afirmou em teleconferência com analistas que a empresa mantém um "prudente otimismo" com os negócios. Além disso, disse estar mantida a expectativa de apresentar uma taxa composta de crescimento anual entre 8% e 10%, de 2011 a 2015. A motivação do executivo é a mesma dos demais no setor: aumento da massa salarial e dos empregos formais no país.

A Grendene chegou em 2004 à bolsa como grande promessa no mercado, no auge da renovação da marca Melissa, como produto fashion para jovens. Foi a quinta estreia de ações daquele ano, que marcou a revitalização do mercado de capitais. Entretanto, o desempenho esperado no pregão não se concretizou . O maior valor da Grendene na bolsa foi justamente o do dia de lançamento, quando chegou a R$ 3,5 bilhões. No começo de dezembro, estava avaliada em R$ 2,45 bilhões.

Uma das decepções vem do fato de a empresa ter caixa acumulado significativo, sem distribuí-los aos acionistas por conta de questões relacionadas às isenções fiscais que possui. Nos nove primeiros meses de 2011, a companhia elevou o payout (proporção do lucro distribuído) de 38% para 75%, e já acumulava R$ 132,3 milhões anunciados aos acionistas, numa tentativa de atender a essa demanda.


Dentre as quatro empresas abertas, a que tem o caminho mais longo até os investidores, apesar de ser a mais antiga como empresa aberta, é a Vulcabras, cuja capitalização em bolsa é inferior à receita anual: cerca de R$ 680 milhões. Os negócios da companhia são grandes.

Nos primeiros nove meses de 2011, teve receita líquida de R$ 1,1 bilhão. Porém, assim como a irmã Grendene, sofreu redução de faturamento, a quada beirou os 19%. Até setembro, a empresa acumulou prejuízo de R$ 146,8 milhões, comparado a um lucro de R$ 92,2 milhões em igual período de 2010. A companhia atrasou a entrega do balanço do terceiro trimestre em duas semanas, aproximadamente.

Além do cenário setorial, a Vulcabras atribuiu o desempenho - por ela mesma considerado "não satisfatório" - a "problemas não previstos na implantação consolidada" dos sistemas de gestão. que causaram o atraso nas entregas aos clientes nos meses de julho e agosto, especialmente. Porém a companhia alega que os sistemas permitirão uma gestão mais eficiente de estoques e ainda retomada do crescimento dos negócios.


A Vulcabras está buscando se reinventar e já anunciou por duas vezes a migração para o Novo Mercado: a última tentativa na virada de 2010 para 2011, quando faria também uma capitalização. Seu desafio é reduzir a dependência do licenciamento de marcas, caminho que já vem seguindo. Em 2007, os produtos da Reebok, por exemplo, respondiam por 45% da receita. Após a compra da Azaleia, em 2007, essa fatia foi reduzida a 24%. A empresa, contudo, carece de interlocutores mais ativos com o mercado.


Artigo escrito por Graziella Valenti para a revista Valor Investe.
Edição n°12, Dezembro de 2011.

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